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Motorista deve continuar a responder por homicídio doloso qualificado

 


O fato de se tratar de delito decorrente de acidente de trânsito não implica que esse delito seja culposo se há, nos autos, elementos que comprovam a materialidade e demonstram a existência de indícios suficientes de autoria do crime de homicídio doloso. Sob esse ponto de vista, a Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso denegou ordem a habeas corpus impetrado em favor de um paciente que responde a ação penal por homicídio triplamente qualificado. Ao volante de uma caminhonete, ele provocou a morte de duas pessoas que estavam em uma moto à frente de seu veículo (Habeas Corpus nº. 84943/2008).

Segundo os autos, o paciente foi denunciado por homicídio doloso na modalidade de dolo eventual, ao assumir o risco de produzir o resultado, quando conduziu veículo em alta velocidade (aproximadamente 134 km/h), em local cuja velocidade regulamentar é de 40 km/h. No momento do acidente o motorista estava embriagado. Outro ponto destacado na denúncia foi a ausência de reação do denunciado ao conduzir o veículo, pois, segundo apurado pelos peritos, a causa determinante do acidente foi a ausência de reação do condutor do veículo Hilux ante a situação de perigo a sua frente, por motivos que os peritos não conseguiram precisar.

O motorista teria percebido a presença da motocicleta antes da colisão, tanto que deu sinal de luz às vítimas. Após a colisão, a motocicleta foi arrastada por 107,4 metros, deixando pelo caminho marcas de ranhuras, fragmentos de ambos os veículos e também as próprias vítimas. A caminhonete só parou quando colidiu com um poste de iluminação pública.

No habeas corpus, a defesa do paciente argumentou que não ocorreu a qualificadora, com a figura do dolo eventual, já que não houve pré-ordenação na prática do crime, mas, em tese, mera aceitação do resultado. No mérito, pugnou pelo reconhecimento do crime de homicídio culposo. Sucessivamente, pleiteou a exclusão das qualificadoras (motivo torpe, emprego de meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima) descritas na denúncia.

Na avaliação do relator do recurso, desembargador José Luiz de Carvalho, a denúncia descreve, com riqueza de detalhes, a prática de um crime, em tese, doloso, narrando as razões que levaram à conclusão de que o acusado assumiu o resultado de produzir o evento danoso.

O desembargador explicou que a doutrina penal brasileira instrui que o dolo deve ser compreendido sob dois aspectos: o cognitivo, que traduz o conhecimento dos elementos objetivos do tipo criminal, e o volitivo, configurado pela vontade de realizar a conduta típica. Já com relação ao dolo eventual, destacou que, para sua configuração, ambos os requisitos já expostos são indispensáveis: o conhecimento e a vontade.

Para o relator, no caso em questão ocorreram os dois tipos, já que mesmo se tratando de delito decorrente de acidente de trânsito, não se pode excluir a possibilidade de classificar tal conduta como dolosa, mesmo que não se possa penetrar no subjetivo do agente, se as circunstâncias que envolveram o evento mostrarem que o condutor age em total desrespeito às regras de trânsito.

No tocante à exclusão das qualificadoras, o magistrado afirmou que o pedido da defesa não deve ser atendido. O fato do paciente, em tese, ter assumido o risco de produzir o resultado, aspecto caracterizador do dolo eventual, não exclui a possibilidade de o crime ter sido praticado por motivo fútil, ou mediante o emprego de recurso que dificulte ou impossibilite a defesa da vítima, ou meio cruel, afirmou o relator.

Participaram do julgamento o desembargador José Jurandir de Lima (1º vogal) e o juiz substituto de Segundo Grau Círio Miotto (2º vogal convocado). A decisão foi por unanimidade e em conformidade com o parecer ministerial.

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